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POR TRÁS DA CORTINA - Aliados da Periferia revela os bastidores da favela



Por trás da cortina de águas das Cataratas, do turismo segregacionista de Foz, existe um povo que luta, que resiste, que enfrenta e que cria. O que acontece por trás da cortina, nos bastidores dos espetáculos, por trás da cortina de fumaça, no anonimato do cotidiano periférico? Estar por trás da cortina pode representar também a organização social, os debates travados nos movimentos, seja em associações de moradores, sindicatos ou coletivos de Hip-Hop.

Aliados da Periferia é mais um grupo de rap das favelas de Foz que vem escrevendo por linhas tortas, em batidas quebradas, com “sangue suor e lágrimas” a sua própria história. O grupo é formado por Negro Jonne e Cascão, moradores do Jd. Petrópolis e Morumbi. Negro Jonne iniciou no rap pelos idos de 1999. Na época ele saía de rolê pelas vielas do Jd. Paraná, onde acontecia os primeiros ensaios de rap da zona norte de Foz. Lá ele conheceu o grupo ADP (Aliados da Periferia), na época formado por Nenê e Dj Lizal, o qual integraria mais tarde. Cascão começou a curtir rap na década de 90 quando se identificou com a música Fim de Semana no Parque - do grupo paulista Racionais Mc’s - que seus irmãos ouviam. Começou a escrever suas letras uma década depois e a se apresentar em alguns eventos na quebrada do Morumbi. O ADP passou por diversas formações nesses 13 anos de caminhada. Cascão veio a se integrar ao grupo bem mais tarde, no ano de 2006.

O ADP está gravando seu primeiro álbum de forma independente, no Stúdio Oeste e os Bang, na quebrada do Porto Meira. Em uma época de grande pressão para enquadrar o rap no grande mercado da música e entretenimento e cobra-se dos rappers uma postura mais comportada, os Aliados “vem pra incomodar” e fazer um som com a cara do bom rap nacional, que não mede palavras para criticar aquilo que julgam errado. O grupo narra as mazelas periféricas e mostra ser a “prova viva” de que o capitalismo é um sistema inviável, que segrega, mata, é corrupto e corruptível, onde o 'você vale o que você tem' ilustra que aqui o dinheiro vale mais que a vida do ser humano. Na intro do CD os manos cantam: “Na selva é assim não reina leão / só reina as onças e reina as de 100”. Suas músicas e sua história funde-se com a própria história e cotidiano de suas favelas, de sofrimento, miséria, violência, abandono do Estado, abuso policial, mas também de convivência e relações de amizades, companheirismo, coletividades.

O ADP também traz em suas músicas um encontro da linguagem popular com a erudita. Enquanto Cascão estudou até a 6° série e teve a rua como sua universidade, Negro Jonne teve acesso a bons colégios e bons livros e também acompanhou e participou do ápice do Movimento Punk de Foz, o que te trouxe uma bagagem política, que podemos observar em suas letras.

“Vem pra ver, conferir o que rola por trás da cortina”

Numa das músicas, intitulada “Vai na Fé”, podemos ouvir: Cascão – “Filhos do mesmo homem / dividindo o mesmo mundo / vende a água por dinheiro / divide a terra por lucro / (...) justiça insiste que o rap é apologia ao crime”, Negro Jonne - “Eles esbanjam sem pudor um tipo de poder herdado / grandes corporações representantes do Estado / arquitetam paredões pra testar sua força bélica / produções subliminares entre suas estratégias / sua expressão sarcástica, sorriso patético / subnutrindo o ser humano, criando embriões sintéticos / (...) o ocultismo por trás da cortina da campanha / vermes negociam almas em forma de barganha”.

A música “Por trás da Cortina” – que dá título ao álbum – traz fragmentos da crueldade da fronteira: “Conexão Paraguai, abastecendo o Brasil / e o ouro branco, verde, é vendido e convertido em fuzil” / “Criança próxima ao corpo que sangra crivada de bala”, “Muamba, marihuana, contrabando / Um doze, cavalo loco, assalto a banco”, “Escama de peixe, haxixe e mentolado / No comercio negro, aquece o mercado / Do Nike shock, os falsifix, ao despertador / Do wiski mais caro e chique, ao processador”.

Quem ouve ADP percebe também a tentativa do grupo de entender e discutir a questão racial, a falsa abolição, uma ferida ainda não cicatrizada no corpo desse Brasil de 512 anos: “Pelos negreiros, porões / delegacias prisões /psico, cruéis torturas / miseráveis condições” / “O negro resistiu, lutou, aboliu a escravatura” / “Zumbi, herói dos negros”.

A música “Vidas Secas” foi escrita após Negro Jonne ter acesso à obra de Graciliano Ramos, e traz em seus versos, elementos do nosso viver urbano nas favelas, das mazelas como a fome, falta d'água, desigualdade, exploração da força de trabalho.

publicado originalmente em: http://zineadelante.blogspot.com.br

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