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CARTA ABERTA - Algumas ponderações sobre o aniversário de Foz

Carta lida na FARTAL 2012 no dia 10 de junho, aniversário de Foz, durante a apresentação dos grupos de RAP:

CARTA ABERTA
Algumas ponderações sobre o aniversário de Foz

Eu vou aproveitar esse momento aqui pra falar do aniversário de Foz do Iguaçu, que hoje completa 98 anos de idade. O rap tem um papel importantíssimo no âmbito da comunicação e de esclarecimento para o povo favelado que não tem muito acesso à informação e que fica à mercê das informações como ela é passada na grande mídia, nos canais de TV e nos grandes jornais impressos.

Vou falar de um caso específico que aconteceu em Foz nos últimos dias. A polícia foi até uma moradia estudantil, agrediu os estudantes, espancaram, puxaram mulheres pelos cabelos, chutes e cacetetadas, xingamentos e ainda levou estudantes presos. A grande mídia tratou do caso de forma tendenciosa, dizendo que eram um bando de estudantes que estavam fazendo baderna e perturbando a ordem pública e que os policiais receberam denuncias de perturbação do sossego por conta do som alto. No Tribuna da Massa o Luciano Alves esculachou os estudantes e disse que se eles estivessem incomodados com o tratamento da polícia, a reportagem do programa passaria lá para entrevistar os vizinhos. O que eles não sabiam é que a câmera interna do hotel filmou todo o acontecimento. O equipamento de som que os alunos usavam, nesta que era uma festinha para comemorar o aniversário de um amigo era: Um celular ligado numa caixinha de som de computador. Os vizinhos desmentiram a suposta denuncia e disseram que não tinha barulho nenhum e que o som não chegava até suas casas.

Num país que se diz democrático e sua constituição diz que somos todos iguais perante a lei, conseguimos observar que isso é uma falácia, porque se não tivesse aparecido as filmagens do hotel, o que perduraria seria a versão dos policiais e da TV.

É bom a gente pegar esse caso pra discutir o que está acontecendo hoje no Brasil politicamente e o que está acontecendo em Foz politicamente. Daqui dois anos Foz completa o seu centenário e o Brasil sediará a copa do mundo de futebol e logo mais as olimpíadas. Isso fecha um ciclo e uma tentativa do governo de colocar o Brasil no mapa do mundo. Estima-se que em 2016 o Brasil ocupará a 5° economia mundial. E por aqui vê a tentativa de colocar Foz no mapa do Brasil. Enquanto a cidade comemora a eleição das Cataratas como uma das maravilhas do mundo, e tem na Usina de Itaipu seu grande orgulho em produção de energia, também amarga a triste realidade de ser a cidade onde mais se assassina jovens. Em busca do crescimento econômico o país massacra, reprime e segrega cada vez mais a sua população. Esse crescimento não favorece a população mais pobre, mas sim a elite da cidade e do país.

A gente consegue acompanhar pela mídia as cifras do dinheiro que vem para ser investido em segurança pública na cidade. E a gente vê no dia a dia como está sendo investido: Com esse dinheiro coloca-se cada vez mais policiais nas ruas, compra-se armas, viaturas, helicópteros, e ainda irão encher a cidade de câmeras, transformando-a num verdadeiro Big Brother à céu aberto. Numa cidade de índices de violência tão altos, onde a grande maioria das mortes é causada por armas de fogo, tem que ser muito ignorante pra achar que se resolve o problema da cidade com a aquisição de mais armamentos, colocando mais armas na rua.

A gente percebe que o turismo em Foz é segregacionista e que a cidade dos turistas e da elite não é a mesma cidade dos favelados. Nós temos uma visão sobre segurança pública que diverge da visão da elite e do governo. Pra elite o que é segurança? Cerca elétrica em suas casas, carro blindado, cada vez mais polícia nas ruas, cada vez mais cadeias para prender pobres e negros. Pra favela o que é segurança? Educação de qualidade, saúde de qualidade, bons empregos com bons salários, acesso e incentivo à cultura, lazer. Pra gente, polícia não significa segurança, e na maioria das vezes é o contrário: ela espalha o terror e o medo nas nossas favelas.

Uma cidade que está indo pro seu centenário e que seu grande projeto na área de segurança pública é a militarização e o gasto do dinheiro público com armamentos e cadeias, é uma cidade doente, esquizofrênica e que precisa mudar urgentemente sua forma de pensar e de criar políticas públicas.

E porque a polícia reprime estudantes? Em Foz a gente pode observar a patrulha escolar na porta das escolas esculachando estudante, o proerd dentro das salas de aula, os alunos tendo suas mochilas revistadas e levando enquadro, sendo revistados dentro da sala enquanto estão estudando. A gente tem que tentar linkar a violência de hoje com a violência do passado. Apesar de o país se dizer democrático, a gente ainda vive uma ditadura disfarçada. Em 1964 no golpe militar, uma das primeiras ações dos milicos foram botar fogo no prédio da União Nacional dos Estudantes.

É bom aproveitar para expor aqui duas grandes bandeiras dos movimentos sociais do Brasil hoje. Uma é o novo marco regulatório na área de comunicação, outra é a extinção da PM. O Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu que a Polícia Militar no Brasil seja abolida. Isso se deu após 171 recomendações da comunidade internacional, alegando que a Polícia Militar brasileira é corrupta, violenta e comete execuções sumárias e violações. Sobre a comunicação a gente entende que a mídia que recebe concessões públicas tem que ter controle social. A liberdade de expressão á para as pessoas e não para as empresas e assim como nas empresas de alimentos tem a inspeção da Vigilância Sanitária, a mídia também tem que ter um controle sobre aquilo que está sendo veiculado. E com esse controle não vai mais prevalecer as deturpações e manipulações que são cometidas pelos Lucianos Alves, Datenas, Borys Casoys e muitos outros apresentadores.

Nós moradores de favelas sabemos que o que aconteceu na moradia estudantil já é rotineiro no dia a dia das nossas periferias: Abordagens violentas, espancamentos, agressões, esculachos, tortura física e psicológica, prisões por desacato quando alguém reclama seus direitos.

Prestamos aqui nossa solidariedade a todos os estudantes e moradores de Foz que sofrem com a violência policial.

A favela não aceita essa cidade e sociedade dividida em classes. A favela exige respeito e quer estar participando de todas as discussões sobre o investimento em segurança pública.

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