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MANO ZEU EM ENTREVISTA AO NPC

Mano Zeu esteve no Rio de Janeiro e concedeu entrevista ao NPC (Núcleo Piratininga de Comunicação).

confiram:



Entrevista com Mano Zeu - Hip Hop como ferramenta de educação libertária

O rapper Mano Zeu, de Foz do Iguaçu, acredita na força da música para a conscientização e a denúncia das arbitrariedades sofridas por quem não tem espaço nos meios tradicionais de fazer ouvir a sua voz. Seu trabalho recente, o CD Brasil Ilegal, é um exemplo de como a música pode servir de instrumento para a construção de uma sociedade mais justa. A primeira canção, assinada por Danilo Georges, anuncia a crença de que o hip hop pode servir a uma “pedagogia libertária”. Ou seja: aquela que reconhece outras formas de ensinamento e transmissão de saberes, valorizando experiências que muitas vezes não encontram espaço na educação formal das escolas e universidades.

Como pretende ser, o CD é um ensinamento sobre a vida do povo, a vida do morro, a vida dos excluídos. Pela arte de Mano Zeu ouvimos a denúncia de uma “pátria armada”, repleta de periferias e favelas abandonadas pelo Estado, que chega nesses locais na maioria das vezes apenas com violência. O álbum é um verdadeiro hino aos guerreiros sobreviventes do dia-a-dia: “salve os quilombos, povos originários. Salve mães, mulheres e filhos assassinados pelo Estado”. É um grito de denúncia do que a mídia encobre.

Em entrevista concedida por e-mail, Mano Zeu conta sua história no Hip Hop, a vinda ao Rio de Janeiro, o objetivo de sua música na denúncia das injustiças e as críticas a artistas que escondem as mazelas da nossa sociedade. Diz ele: "Rap é uma música que sempre narrou todas as mazelas da sociedade, a violência, a corrupção, a desigualdade, a repressão. Isso tudo continua nos dias atuais e a cada vez se intensifica, com as remoções das favelas, o militarismo, mas isso ta sumindo das letras de rap desses mc’s que estão na grande mídia". Ele também explica os objetivos do coletivo de que faz parte, o Fronteira Hip-Hop, e reforça o entendimento de que o rap e as práticas culturais da favela são ferramentas de educação libertária. "Assim como a literatura de Cordel serviu como educação para milhares de pessoas do campo no Nordeste, hoje o Rap faz esse papel de levar informações em suas músicas, informações essas que dificilmente teremos acesso nas escolas, ou nos grandes jornais", explica.

Confira a entrevista.


Conte rapidamente sobre sua trajetória no Hip Hop. Quando você começou a produzir e a se apresentar nesse ramo?

No ano de 1995 eu trabalhava como Dj de musica eletrônica numa danceteria no bairro da AKLP em Foz. É uma associação de moradores onde se organizavam festas no fim de semana. Ali comecei a tocar as primeiras músicas de rap. Eu entrei pro movimento Hip-Hop mais tarde, em 1999, como Dj de um grupo chamado "Aliados da Periferia". Nessa época eu já escrevia algumas letras de rap. Mas iniciei mesmo como letrista e Mc em 2003 num grupo chamado Conexão PB, formado por amigos da favela onde eu morava (Jd. Paraná) e de um bairro vizinho (Jd. Belvedere). Em 2007 eu comecei minha correria solo, contando com a participação dos amigos.


Fale um pouco sobre sua vinda ao Rio para participar do curso de Agentes Populares, na UFF.

Um amigo meu – Danilo – é formado em história e veio pro Rio de Janeiro para tentar fazer mestrado. Aqui ele conheceu a Adriana Facina, o Mardônio e outras pessoas que estavam organizando o curso de Agentes Culturais Populares. As inscrições estavam sendo feitas pelo blog, ele pediu pra eu me inscrever, pois seria um curso importante, para amplificar os trabalhos que desenvolvíamos em Foz do Iguaçu. Eu me inscrevi e fui selecionado. A proposta do curso era potencializar e dar ferramentas para agentes culturais moradores de favela que já desenvolvessem atividades na área de produção cultural. Então nesse curso aprendemos como escrever e gestionar projetos, captar recursos, além da formação de redes culturais.

No curso tive contato com mcs de Funk e de Rap, fotógrafos, poetas, cineastas, dançarinos, artistas plásticos, sambistas, militantes de diversas áreas, animadores culturais, líderes comunitários, moradores de diversas favelas do Rioo. Assim eu conheci vários projetos em várias favelas do Rio. Eu consegui acompanhar 6 meses de curso e nesse tempo que estive no Rio participei de outros cursos de formação. Fiz o curso Como Funciona a Sociedade 1 e 2, e o Comunicação e Expressão organizados pelo Movimento 13 de Maio e MST. Participei também de uma aula de fotografia na Cidade de Deus, parte de um curso de comunicação comunitária oferecido pelo NPC. Nessa época estava acontecendo também as Rodas de Funk e a luta pela descriminalização do Funk, o que consegui acompanhar um pouco junto com o pessoal da Apafunk.


Quantos e quais CDs você já lançou? Atualmente você trabalha e milita com o que?

Nos outros grupos que participei, Aliados da Periferia e Conexão PB, gravamos músicas que saíram em algumas coletâneas. O primeiro e único álbum é o Brasil Ilegal, que lancei em 2011. Atualmente eu to trabalhando com produção de audiovisual, produção musical (criando instrumentais de rap) e nas horas vagas como auxiliar de eletricista. Eu milito no Movimento Hip-Hop, no Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu e no jornal comunitário Cidade Nova Informa. Começamos também com um movimento na área literária, com organização de sarau de poesia.


Quais são seus ídolos no mundo da música? Por quê?

Não tenho ídolos. Às vezes acho a pessoa musicalmente boa, mas politicamente ruim. Um exemplo é o Criolo e o Emicida, que são dois rappers que hoje estão na grande mídia. São músicos muito bons, mas fazem essa mediação e pregam uma neutralidade da arte quando dão entrevista pra mídia gorda. O GOG (rapper de Brasília) tem uma música chamada "Carta à Mãe África" que traduz um pouco isso. Nessa música ele diz: “No mural, vendem a democracia racial / e os pretos, os negros afro-descendentes / passaram a ser obedientes, afro-convenientes / nos jornais, entrevistas nas revistas / alguns de nós quando expões seus pontos de vista / tentam ser pacíficos, cordiais, amorosos / e eu penso como os dias tem sido dolorosos ”.

Eu li um texto de um artista plástico, colunista da Caros Amigos, Gershon Knispel, onde ele fala do pintor Portinari, como ele pintou em seus quadros toda a miséria e violência que via em sua volta. E como nos dias atuais essa miséria continua, mas sumiu da maioria dos quadros dos artistas plásticos. O Rap é uma música que sempre narrou todas as mazelas da sociedade, a violência, a corrupção, a desigualdade, a repressão. Isso tudo continua nos dias atuais e a cada vez se intensifica, com as remoções das favelas, o militarismo, mas isso ta sumindo das letras de rap desses mc’s que estão na grande mídia.

Além de Rap eu escuto MPB da década de 60 e 70. Tive acesso a pouco tempo a cena psicodélica da década de 70, das bandas que fizeram a resistência comportamental à ditadura militar, então estou escutando muito essas bandas. Escuto Funk gringo e Funk Carioca, Samba, Reggae nacional, Moda de Viola, Forró, Punk/Hc, de tudo um pouco.


Explique um pouco sobre o Frontera Hip Hop.

No ano 2000 a gente formou em Foz o Coletivo de Hip-Hop Cartel do Rap. Com esse coletivo desenvolvemos algumas atividades de oficinas, produção de fanzines e informativos, organizações de evento e conseguimos montar um Studio Comunitário de gravação e produção. Eu me desliguei do Cartel do Rap em 2010, porque o coletivo não conseguiu avançar em algumas questões e ficou mais focado na organização de shows de rap. O Frontera Hip-Hop é uma tentativa de ir além dos shows e da produção artística do Hip-Hop. Trabalhar a questão de cursos de formação e de engajamento com movimentos sociais, contribuir para a construção de atos públicos.

Outra questão é a nossa localização geográfica. Foz do Iguaçu faz fronteira com o Paraguai e a Argentina. Então a gente tem uma facilidade maior de trabalhar o Hip-Hop latino-americano. O Brasil, por não falar espanhol, não se reconhece como latino e isso influi dentro do Hip-Hop também. O hip-hop avançou bastante no reconhecimento como afro-descendente, mas falta avançar nessa questão latina. Essa é uma das propostas do Frontera.


Na abertura do seu mais novo CD, Brasil Ilegal, defende-se o Hip Hop como pedagogia libertária. Você pode falar um pouco melhor sobre isso?

Essa faixa quem escreveu e gravou foi o Danilo Georges. Ele escreveu depois que teve acesso ao livro do Maurício Tragtenberg: Teoria da Pedagogia Libertária. Esse livro questiona as relações de poder nos processos educativos convencionais. Traz algumas questões defendidas por Paulo Freire, como a educação ser gestionada pela comunidade e na comunidade onde as pessoas crescem e se desenvolvem. Um exemplo disso é o MST, que construiu seus próprios métodos e processos educacionais. Inclusive o movimento usa o nome de “Educação do Campo” e não “Educação no Campo”. É algo criado e gerido por eles, e não algo que vem de fora.

Nessa faixa do CD o Danilo observa a relação do Rap e da educação. O rap e as práticas culturais da favela como ferramentas de educação libertária. Assim como a literatura de Cordel serviu como educação para milhares de pessoas do campo no Nordeste, hoje o Rap faz esse papel de levar informações em suas músicas, informações essas que dificilmente teremos acesso nas escolas, ou nos grandes jornais. Num país de forte cultura oral como o Brasil, e um povo que não lê muito, o rap tem papel fundamental no trabalho de conscientização e mobilização social através da música. Nós moradores de favela por muito tempo fomos usados pela Universidade apenas como objeto de estudo, e o Hip-Hop traz esses questionamentos da urgência da democratização da universidade. Recentemente participei de debates sobre a Universidade Popular e percebi que só avançaremos se isso for criado de fora das estruturas do Estado, um projeto alternativo de educação e de trabalho de base criado e gerido pelos movimentos sociais.


A denúncia social sempre fez parte de sua atuação musical?

A gente sempre faz um esforço na memória para tentar lembrar quando nos tornamos militantes e nunca lembramos. Eu perdi o pai muito cedo e minha mãe trabalhava demais para sustentar os seis filhos pequenos. Ela não tinha muito tempo pra cuidar da gente. Então desde pequeno eu provei de uma liberdade de poder fazer o que queria, na hora que queria. Cresci solto pela rua, brincando, correndo, empinando pipa, jogando bola, nadando e pescando no rio, correndo no meio do mato. Quando eu ia chamar os amigos de infância para ir comigo, percebi que nem todos desfrutavam dessa liberdade: “Minha mãe não deixa”. Quando eu fui enquadrado pela polícia pela primeira vez eu vi essa liberdade ser confrontada: “Mãos na cabeça, encosta na viatura, documentos. Vai pra casa. Se eu te pegar de novo por aqui você tá fodido neguinho”. Também vi a polícia entrando na favela, prendendo e matando pessoas. Perdi muitos amigos, que foram executados pela polícia. Acho que a partir daí, quando tiram de você algo que você gosta muito, você passa a ser outra pessoa.

Eu comecei a me aproximar do movimento Punk, que era um movimento de contestação social libertário. Eu gostava de ver as pixações anárquicas nos muros, comecei a ouvir músicas que traziam a questão da resistência comportamental e as músicas de protesto e denúncia. Mesmo quando eu trabalhava de Dj de música eletrônica, procurava tocar também rap, rock e funk nacional, sempre fazia algum discurso no microfone (não muito elaborado na época) mas falava de algumas questões da favela. E assim cheguei ao Hip-Hop.

Quando comecei a escrever eu sempre quis escrever sobre aquilo que mais me incomodava. O escritor Borges tem uma frase que diz “alegria não faz literatura”. E eu percebo que, diante de todos os problemas da periferia, uma alegria individual não serve pra nós. A alegria tem que ser coletiva, e como a periferia continua sofrendo eu uso a ideia do Borges e digo que: “alegria não faz rap”. Então a minha música traz essa denúncia social porque é aquilo que mais me incomoda.


Qual sua opinião sobre o papel da música na construção de outras mentalidades? E quais seriam as vantagens do Hip Hop nesse sentido?

Existem músicas para várias funções diferentes. Cada música cumpre um papel social, seja de diversão, entretenimento ou de informação e construção de uma outra forma de ver e ler o mundo. A música traz impressões pessoais do músico a respeito de algo. Eu particularmente acredito que a música em si não muda nem transforma uma realidade. Quem tem que transformar a realidade é todo o conjunto da sociedade. Analisando a cultura musical atual, a maioria dos músicos não estão interessados em construir uma nova mentalidade. A grande maioria está fazendo músicas para atender exigências do mercado. E o mercado está interessado em música para entretenimento. O movimento Hip-Hop na minha opinião estacionou e não avançou na questão política. Continua sendo um movimento muito importante de resistência da cultura negra favelada, mas perdeu um pouco seu foco revolucionário.

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